As visitas da família e dos amigos levam-nos sempre a outros espaços físicos e da memória. Este fim-de-semana, eu fui a Bruges e aos meus tempos de pequenina.
Eu tive umas sandálias amarelas, que tinham mais tiras a envolver-me o pé do que eu tempo de vida em mim. Eu adorava as sandálias amarelas, e são a primeira coisa que me lembro de querer muito, muito. Este fim-de-semana, enquanto passeava a minha mãe e mana por Bruges, lembrei-me de quando era pequenina e era passeada. Lembrei-me de quando era passeada e levava calçadas as minhas sandálias amarelas. Tudo era novo e por conhecer.
Há um certo orgulho, quando estamos fora, em podermos mostrar coisas bonitas do país onde moramos. Os cheiros, cores e gentes são sempre diferentes e nessa diferença encontramos cultura. Esta não é a minha cultura, este não é o meu país, mas eu já sou um bocadinho dele.
Eu, quando tinha cinco anos, era as sandálias amarelas.
Bruges tem canais misteriosos a perder de vista. De barco, a cidade é só janelas e pontes e cantos escondidos e ainda é antiga e nova.
As sandálias eram novas e eu tinha orgulho nelas. Eram diferentes e eram só minhas e eu é que as tinha escolhido. Quando se tem cinco anos, a autonomia da escolha é o melhor presente que se pode ter. No Verão seguinte, as sandálias já não me serviam. Uma das tiras partiu-se. Eu já tinha mais vida em mim do que as sandálias tinham tiras amarelas.
Tenho a sorte de morar num país que me serve. Não é o meu país, mas é onde está, agora, a minha casa. Eu sou feliz na minha escolha de viver, trabalhar e estudar longe de onde cresci. Mas há um quadro de cortiça em minha casa com fotografias da família, manos e primos, dos avós, dos cães, dos gatos, dos amigos e das amigas, dos filhos dos amigos, dos afilhados, dos espaços, da vida até chegar aqui.
É principalmente nos momentos em que as memórias de crescer nos vêm visitar que nos lembramos, que eu me lembro, que por muito longe de Portugal que esteja, por muito que tenha crescido, por muito feliz que me sinta aqui, há um bocadinho de mim que continua sempre a passear com as sandálias amarelas.
Eu tive umas sandálias amarelas. E fui eu que as escolhi.
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