Deserto do Atacama, praticamente no meio do nada, 2000 metros de altitude, 30ºC (ou era o que parecia), sol escaldante. No meio de uma excursão pelo deserto - sim, sim, que ninguém pense que neste fim-de-semana de pausa, apertado entre 2 semanas demoníacas, ia haver tempo para mochila, GPS, estudar mapas e trilhos. Não, tinha que ser assim - autocarro, gringos, uns quantos chilenos de Santiago, e pronto. Ah! E máquina fotográfico em punho, para tentar (parcamente) captar algumas das mais belas paisagens que já vi. Mas, literalmente, no meio do nada (ou quase, vá!).
E, de repente, no meio desse nada, "Achas que podemos pedir aquele senhor para nos tirar uma fotografia?". Assim, como o único som no meio do silêncio das línguas estrangeiras que me rodeavam. Virei-me. Um casal de meia idade, olhar entre a paisagem, a máquina fotográfica e a quem iam pedir a fotografia. Decidi que também os ia surpreender. "Se quiserem, posso tirar a foto". Ficaram boquiabertos.
Ele era português, ela, na realidade, chinesa (mas com um óptimo português). Viviam no Luxemburgo e estavam a fazer uma viagem (e que viagem!!) que tinha começado no Brasil e tinha continuado pela Patagónia argentina e chilena, Santiago e Atacama e que os ia conduzir ainda à Bolívia e Perú. Já não ouviam português com o nosso sotaque desde que tinham saído do Brasil. E ficámos à conversa. Afinal, o que é que dois portugueses fazem quando se encontram?
Para além dos temas habituais, um emergiu. A língua. O senhor era da minha opinião, que não valorizamos a força global da nossa língua. Que apesar de os brasileiros serem provavelmente o maior grupo turístico no Chile e Argentina, ainda era mais fácil encontrar indicações em francês do que na nossa língua (como acontecia no hotel em que estava, em San Pedro). Que nos esquecemos que somos 250 milhões no Mundo a falar a mesma língua, a 5ª mais falada do Mundo, e uma das poucas que é nativa em quatro continentes. Que é das poucas línguas globais - em dispersão continental, só o inglês é mais falado que o português. Que, por sermos flexíveis, nos tentamos sempre ajustar às outras línguas - e, não me levem a mal, eu acho que essa flexibilidade é uma boa qualidade, mas também penso que devíamos sempre primeiro fazer um pouco de finca-pé em sermos atendidos na nossa língua. Que prestamos demasiado atenção a se o sotaque ou a forma como está escrito está mais próximo do português europeu que do brasileiro - e, porra, para que é que isso importa se realmente nos conseguimos todos entender na mesma língua! (vá, pronto, com uns poucos mal-entendidos aqui e ali). Que atrás da língua e da cultura comum há oportunidades de negócios que nos chegam pela proximidade que é inata a quem se entende "de ouvido". Prestamos demasiada atenção aos nossos bairrismos e esquecemos o privilégio que é cruzar o Atlântico, meia África, o Índico e a Indonésia, e podermos falar e ouvir a nossa língua. Ali, perdido no meio do Atacama, acreditem que foi mesmo uma boa surpresa!
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